sábado, 9 de junho de 2007

A comédia da invasão da reitoria da Ufrgs

Ocupação da Reitoria na UFRGS: Crônicas de um circo eleitoreiro

Simulando solidariedade às ocupações em outras universidades, na manhã do dia 5 de junho, terça-feira, o DCE-PSOL/Gestão Instinto Coletivo e seus coligados (PSTU, UJS, PCB, Mov. pelo RU na Esef, CONLUTE) conduziram dezenas de estudantes ao saguão do prédio da reitoria da Universidade, localizada no Campus Central.

Entre as reivindicações estavam a implementação das ações afirmativas referentes às cotas raciais, diminuição do valor da inscrição do vestibular, garantia imediata dos espaços estudantis ameaçados pelo processo de privatização dos espaços da Universidade, ingresso de filhos de estudantes na creche da universidade, convênio com movimentos sociais, revisão crítica das parcerias com a iniciativa privada, e principalmente à construção do Restaurante Universitário da ESEF (Escola Superior de Ed. Física). Sendo que a maioria destas demandas já haviam sido previamente avaliadas e sinalizadas num sentido positivo pela reitoria.

Grupos de estudantes, autonomistas, independentes de qualquer instituição representativa ou político-partidária, reconhecendo a importância das reinvidicações ainda não atendidas, e em solidariedade ao movimento surgido na USP, bem como à greve dos servidores, para a visível infelicidade das lideranças discentes, juntaram-se à ocupação.

Na noite da terça-feira foi realizada a primeira das duas assembléias no saguão da reitoria, com um quorum de aproximadamente 300 estudantes. Marcadamente centralista e altamente burocratizada, a assembléia foi pautada por manifestações partidárias e discursos inflamados à moda do Senado, sem qualquer espaço para outras posições e propostas. Por fim ficou decidido pela manutenção da ocupação, bem como pela criação de uma comissão que se encontraria com o reitor José Carlos Hennemann na manhã do dia seguinte, sem qualquer definição quanto aos estudantes que integrariam essa comissão.
Após a assembléia, um grupo de aproximadamente 30 estudantes descontentes com o andamento do movimento de ocupação, se reuniu no segundo andar da reitoria, confirmou a intenção de pensar uma ocupação de forma autônoma e independente, a exemplo do movimento existente em outras universidades, até que todos os pontos levantados fossem minimamente atendidos, para além do teatro partidário. Tal reunião, sem diretrizes prévias ou mesa centralista, foi visivelmente hostilizada pelas lideranças discentes que chegaram a sugerir a dissolução da mesma já que esta estaria indo contra um acordo prévio com a reitoria, bem como uma preocupação com a "segurança", motivos pelos quais os estudantes não deveriam se dispersar pelos andares.
A primeira (e única) noite na reitoria foi pontuada por pequenos incidentes, como o ataque de um grupo de extremistas liberais-conservadores ligados aos Democratas (ex-PFL) e Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB); que liderados por Anderson Yaakov eram contrários às reivindicações e à ocupação. Visto rondando o Campus Central e arrancando raivosamente cartazes e faixas, os extremistas também incitavam a violência aberta contra os ocupantes na rede virtual de relacionamentos Orkut, na comunidade da UFRGS.
Perto das 9 da manhã, equipes de televisão e jornal estiveram na reitoria para cobrir a ocupação. Tiveram livre acesso ao vão da reitoria junto ao portão de entrada, onde ocorria um verdadeiro ato de exibição frente às câmeras: Gritos de ordem como "Quem não pula é governista!" e camisetas e faixas da CONLUTE. Ao mesmo tempo os representantes do DCE-PSOL/Gestão Instinto Coletivo davam entrevistas coletivas à imprensa comercial, legítimos representantes 25 mil, apesar de terem ocupado a reitoria sem chamarem qualquer assembléia para consultá-los. Para alguns que lá estavam ficou claro a intenção não manifestada do DCE-PSOL, marketing político e pessoal, para fins eleitorais, e capital simbólico junto ao partido que se reuniria em Congresso Nacional do PSOL nos 7 a 10 de junho, no Rio de Janeiro. Também estava claro que a assembléia deveria terminar independente do resultado, já que boa parte dos representantes do DCE-PSOL obviamente participariam do congresso do partido.
No final da tarde juntaram-se a ocupação outros grupos autônomos e pessoas independentes. Os que já estavam lá, mais uma vez viram equipes da imprensa comercial (Globo/RBS e SBT) atormentarem os estudantes com suas câmeras e microfones. Grupos de estudantes cansados do assédio midiático cobriram os rostos e protestaram contra a cobertura da imprensa comercial, diante do olhar atônito das lideranças discentes. Como reação ao protesto um dos repórteres do SBT ironizou "Vocês são meia dúzia, lá dentro tem um monte de estudantes que são capazes de dar um dedo por uma entrevista conosco".
Por volta das 18 e 30 da tarde iniciou-se a segunda e última Assembléia realizada no saguão da reitoria. No comando, mais uma vez, representantes do DCE; na platéia, dezenas de estudantes secundaristas de grêmios estudantis também cooptados pelos partidos de esquerda, como os do colégio Júlio de Castilhos e colégio Santos Dumont. Um quorum pró-DCE consierável, que referendaria todas as proposições da mesa diretora. Assim começou uma Assembléia de cartas marcadas, feita para tentar legitimar uma ocupação midiática e eleitoreira, garantir os louros da vitória ao DCE e concluir com a desocupação pacífica, frente às câmeras da RBS.
Não foi qualquer surpresa o fato de que a comissão que se encontrou com reitor ter sido composta pelas lideranças do DCE/Instinto Coletivo. Após o interlocutor da mesa diretora ler o documento assinado pelo reitor em relação às reivindicações (resultado da reunião entre os ilustres três representantes dos 20 mil alunos e ele) que inúmeras vezes se mostrava muito vago e genérico, prometendo "estudos de viabilidade" (como no caso do pedido de ampliação da creche da Universidade, para abrigar filhos de alunos) e reafirmando projetos que já vinham acontecendo muito antes da ocupação midiática da reitoria pelo DCE (como a transferência do Instituto de Ciências Básicas da Saúde para o Campus Saúde, afim de abrigar em seu antigo prédio o Instituto de Artes). Assuntos de extrema importância como a posição da Universidade sobre a Reforma Universitária e a implementação de convênios desta com os movimentos sociais, e repúdio aos convênios com grandes corporações, não foram nem sequer tocados. A coerção foi constante, ninguém se sentia confortável de apresentar qualquer opinião contrária à pauta de reivindicações proposta pelo reitor, e por essa razão as votações eram quase sempre por "unanimidade". O argumento de que qualquer um podia se posicionar contrário, caso fosse, é falho: a coação imposta pelo interlocutor e pelos membros do DCE, que se diferenciavam dos outros estarem permanentemente de pé ao lado do microfone, era forte demais, os estudantes críticos conforme pediam a palavra eram cerceados e constrangidos.
Após a aprovação de todas as respostas do reitor, "por questão de encaminhamento" chegou ao absurdo da situação propor que primeiro os estudantes votassem pela permanência ou não da ocupação e depois discutissem se deveriam ou não permanecer ocupados. Tal proposição, ultrajante e simbólica de que aquilo tudo não passava de uma bela encenação, foi rejeitada pela Assembléia, fazendo com que até mesmo alguns secundaristas percebessem as reais intenções do DCE.
Mais uma vez os partidos de esquerda utilizaram as técnicas e os argumentos geralmente acionados pela direita. Todas as votações deveriam ser breves e as defesas de diferentes posições limitadas em número e tempo para acelerar os "encaminhamentos". A manobra descarada visava evitar que os críticos tivessem voz, que não atrapalhassem todo o script pré-determinado. Muito pouco se falou das ocupação na USP em outras universidades, a idéia defendida pela situação (e combatida pelos seus críticos) era de honrar as ocupações desocupando a reitoria como "vitoriosos".
Se opondo a proposta da mesa de que as defesas de posições deveriam se limitar de apenas duas pessoas antes da votação, a assembléia se encheu de manifestações a favor da não definição prévia no número de defesas: Em coro a maioria exigia um número livre de defesas permitindo uma maior liberdade e participação a todos. Diante da pressão e preocupada em não parecer mais centralista que o habitual a mesa consentiu o número livre de defesas permitindo um grau mínimo de democracia participativa.
Estipulou-se o tempo de três minutos para cada defesa, e fez-se uma lista de inscrição que estranhamente parecia se reconfigurar conforme os ânimos se exaltavam. No começo das defesas, mais uma vez, buscando estabelecer relações de eqüidade, dezenas de estudantes em coro pediam para que os integrantes da mesa do DCE se sentasse como todos os outros, no entanto esta se mostrou irredutível, permaneceu em pé e indiferente às manifestações até o final da assembléia.
Conforme o tempo passava e as intervenções se tornavam cada vez mais parecidas com propaganda eleitoral televisiva, e CPI de o que quer que seja, uma parte significativa dos estudantes, entediados e cansados, se retiraram do saguão. O clima de tensão e as hostilidades cresciam, com membros da mesa ofendendo abertamente os estudantes da "platéia" que se manifestassem contrários as suas proposições, alguns presentes sentiram uma sensação de "congresso da UNE" no ar. Tal postura fez com que até mesmo os mais desavisados se questionassem sobre as reais intenções do DCE.
Durante toda assembléia, era visível o fato de haverem dois pesos e duas medidas: No tempo de fala dos opositores, inúmeras interrupções, confusão, coação, desrespeito. Já na fala dos partidários, tempo prolongado, chavões políticos, verdadeiros discursos de comício, golpes baixos de chantagem que incitavam a hostilidade aos que ainda acreditavam ser possível converter esse circo numa ocupação real. Uma integrante do Grupo de Trabalho sobre Ações Afirmativas acusou abertamente aos gritos diversos colegas de racistas-anticotas, simplesmente porque questionavam o fim da ocupação. Já que havia uma "ameaça" da reitoria tirar da pauta das cotas da próxima reunião do Conselho Universitário o assunto das cotas caso a ocupação não se desmobilizasse, como cotas etno-raciais nas universidades públicas fossem alguma gentileza concedida pelo reitor e não um resultado da luta histórica do Movimento Negro e das populações indígenas.
No final, com uma Assembléia já esvaziada, e com todos claramente cansados, com a desculpa de que a oposição estava se retirando para deslegitimar a assembléia, as portas foram fechadas, impedindo a entrada de estudantes descontentes que ficaram do lado de fora. Nesse momento decidiu-se pela votação decisiva: continuar ou não com a ocupação? As pessoas se sentaram e levantaram as mãos: 44 pessoas votaram pela permanência na reitoria, mais de 60 votaram junto com o DCE pelo fim da ocupação. Desta vez foi contado voto por voto, no intuito de demonstrar a vitória massiva do DCE.
Em suma, foi a vitória do DCE que preparou a ocupação com antecedência, montou o circo na terça-feira de manhã, chamou a imprensa marrom, usou o movimento como forma de promoção política, criou "líderes" da massa estudantil, fez bonito para ter o que dizer no congresso nacional do PSOL, e massacrou a autonomia do movimento estudantil. Foi a vitória de um grupo político que priorizou o merchandising à discussão, o showmício à atitude, o entreguismo e "peleguismo" à resistência e luta política. Um movimento que, a reboque da ocupação autônoma da USP, quis se promover em cima das migalhas que a mídia corporativa reserva à esquerda-partidária desse país. A autonomia dos estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul foi usurpada pelo seu Diretório Central Estudantil (Gestão PSOL/Instinto Coletivo), neste grande circo montado no saguão da reitoria nos dias 5 e 6 de junho de 2007.

2 comentários:

Mastabi disse...

Já havia visto isso na ocupação da UNICAMP.

Na USP isso não rolou porque, assim como eu, uma galera já tinha essa experiência da ocupação da UNICAMP, independentes que lá estavam também ajudaram e a descrença com o ME daqui já era grande há tempos, o que fez muitos indepentes organizarem-se.

Ia ser a mesma coisa, a ocupação teve data marcada pra começar e tinha pra sair.

Samuel Basso disse...

é foda. Como é ridículo esse DCE. Marqueteiros, egocêntricos, enfim, não há palavras para desqualificar tais iniciativas.